terça-feira, 9 de outubro de 2012

Corpo


          Durkheim estava certo, no final das contas. O suicídio é mesmo um fato social e exterior ao indivíduo em sua essência. Conviver em sociedade suga todas as nossas energias. São tantas regras a seguir, padrões para considerar, pessoas para agradar... E tentamos tanto agradá-las que esquecemo-nos de agradar ao nosso próprio corpo.
          Corpo? Meu corpo? Minha propriedade, minha casa, meu refúgio? Ou seria ele apenas mero instrumento que aqueles lá de cima, os privilegiados, utilizam para me controlar, me marcar, me docilizar? Já não sei. Talvez não seja nenhum dos dois, talvez seja ambos ao mesmo tempo. Talvez seja branco, talvez seja pardo. Ou negro. Talvez seja alto, magro, belo, esguio, ou talvez não. Talvez seja invisível, intocável, fragilizado e perdido. Somente mais uma marionete no meio da multidão.
          Já não sei mais sobre meu próprio corpo. Não o possuo. Meu corpo não é meu, mas deles. O único corpo que conheço é aquele, do qual disseram que faço parte: uma tal de sociedade. Dizem que sou importante órgão neste grande complexo organizacional a qual deram o nome de Sociedade, e seu bem deve ser colocado como minha prioridade. Eu, indivíduo? Não existo. Agora vivo para Sociedade.
          Sociedade me apunhala pelas costas, a danada. Durante toda a minha insignificante existência. Quando meu corpo ainda é pequeno, frágil, manda-me para um presídio denominado Escola. Lá, recebo um uniforme, que me deixa exatamente igual às outras crianças. E não só a roupa é uniformizada! Para meu espanto, sentamos todos em carteiras desconfortáveis, sob o mais rigoroso regime quase ditatorial de um sargento, e somos proibidos de comunicarmo-nos com o corpo ao lado. Dizem que um dia vou ser alguém na vida. Mas por enquanto, não tenho querer. Sou apenas uma mera glândula anexa no grande organismo do qual faço parte. Passo na Escola, conforme Sociedade me instrui, metade do meu dia. E metade também da minha vida.
          Depois de lá sair, Sociedade promete ser benéfica a mim. Ouvi por aí que, depois de meu PhD em Economia pela Universidade de Harvard, vão me conceder um lugar ao Sol. Passarei de mero órgão sem valor algum e virarei o cérebro de nosso corpo. Serei o cérebro, talvez! E quando já me imaginava trocando sinapses com outro neurônio, Sociedade submete-me a longas jornadas de trabalho, oferece-me um péssimo local laboral, um novo sargento, e novamente não posso comunicar-me com o colega ao lado. Não entendo. Dizem que devo me preocupar com o grande organismo, mas não me permitem trocar uma ideia, tomar uma cerveja, aperitivar uma batata frita com este outro pequeno corpo ao meu lado.
          Na verdade, não me permitem fazer isso nem mesmo sozinho. O trabalho que Sociedade me concedeu tira-me todas as forças e o ânimo para realizar atividades paralelas. Quando chego em casa, às onze e quarenta e sete da noite, todos os dias, seis dias por semana, tudo que quero fazer é descansar as engrenagens de meu próprio... Como é o nome daquilo, mesmo? Corpo.
          Corpo. Organismo. Vivo. Fadigado. Oprimido. Docilizado. Animalizado. Latente.
          Protesto! Já chega.
          Corpo. Mutilado. Estirado no chão de madeira podre e barata. Envolto por um sangue fresco e rubro. Sangra. Um. Dois. Três. Sociedade? Não responde. E a vida se foi.
          O corpo sangra. A Sociedade não.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Blue Moon


Blue moon,
Velvet skies
Come to me with the rain
Wash the pain away
Take me for a journey through the stars

Blue moon,
Velvet eyes
Crying for so long
Tired of dreaming, waiting, hoping
Looking up to the skies
Praying for a miracle

Blue moon,
Velvet night
Take my soul, take it all
And stab me if you wish
Don’t run away
Stay with me tonight

Blue moon,
Velvet sound
Your voice is just another drug
Your heart is torn, your smile is gone
I don’t deserve you after all.

Blue moon,
Velvet dreams
I’ll just stand here in the rain
Underneath your grace
Give me joy, give me faith
Give me all your light.



sexta-feira, 27 de julho de 2012

Memórias

- Alô? – disse uma voz do outro lado da linha, em um misto de desespero e euforia.
- O-olá... –gaguejei hesitante.
Começava a passar pela minha cabeça que a ideia de ter resgatado um simples caderninho azul esquecido em um banco de praça era loucura. Responder a um anúncio de jornal que praticamente implorava por ele, então, parecia ainda mais absurdo.
- Quem fala? –respondeu a voz feminina outra vez, após algum tempo, interrompendo meus devaneios solitários.
- Escute... –comecei, ignorando completamente a pergunta- Não sei exatamente o por quê, mas possuo algo que lhe pertence.
- Meu caderninho? –ela arfou, mal permitindo que eu terminasse a frase.
- Exatamente! Se quiser resgatá-lo, venha até minha casa.
Dessa forma, informei meu endereço e marcamos um encontro. Não demorou muito para que uma garota de cabelos desgrenhados e aparência desleixada surgisse em minha porta. Não era alta nem baixa, gorda nem magra, alta nem magra, bonita nem feia. Mas havia algo peculiar em seus olhos aflitos que dançavam sem cessar pelo meu rosto e pela sala. Na verdade, a peculiaridade era-me familiar. Ela era exatamente igual a mim.

Sem mais delongas, entreguei-lhe o caderno amarrotado e rabiscado, o qual ela abraçou como se fosse um filho. Confesso que, antes disso, andei folheando as páginas da pequena brochura, porém em suas folhas surradas não havia nada mais do que rabiscos sem significado algum. Ora formavam figuras geométricas tortas, ora estavam apenas soltos nas folhas, e de inteligível possuíam apenas o nome de variadas cidades escritas em colorido.

Minha curiosidade falou mais alto e perguntei à garota o significado dos rabiscos.
- Não os chame de rabiscos! São memórias. –notando o grande ponto de interrogação em minhas feições, ela continuou- Cada rabisco desses contém memórias fragmentadas das cidades pelas quais passo. Viajo freneticamente há dois anos, buscando um lugar para mim neste mundo. Não me permito mais de uma semana em cada local, e por isso, necessitava de minhas memórias de volta com urgência. Preciso partir!
- Mas então por que não utiliza palavras? Ou gravuras, fotografias... –sugeri.
- Palavras podem ser lidas por qualquer um. E deixariam de ser minhas! Imagine só, que desastre! Se utilizasse palavras, você teria lido mais textos e roubado-os de mim. Que desastre! O mesmo vale para desenhos.
Um mês se passou desde o ocorrido, e a garota já deve ter visitado mais quatro cidades. Hoje, entendo o motivo daquele anúncio desesperado em um jornal, buscado urgentemente um caderno qualquer. Buscando por lembranças. Memórias. Pessoais, únicas, exclusivas. Diferentes como a personalidade excêntrica daquela garota –e a minha própria.

domingo, 8 de julho de 2012

Devaneios sobre felicidade e afins.


A felicidade é efêmera.
Simples assim. Felicidade é o mais efêmero de todos os sentimentos humanos (se é que chega a ser um sentimento, e não só um estado de espírito...). Chega, sorrateira, tomando conta de toda a nossa alma deixando-nos eufóricos, quase inconscientes. Abraça-nos por trás, tampa nossos olhos e pede-nos que adivinhemos quem é ela. A misteriosa, a novata, a visitante! E não sabemos ao certo de onde vem essa nova onda de euforia. Nem nos importamos em saber: queremos mais é curti-la ao máximo, viver cada momento com ela, como uma amante. Faz-nos pensar que a teremos para sempre em nossos braços, deixando o mundo a nossa volta mais atraente, as pessoas mais interessantes, nossos passos mais leves.
E depois é arrancada de nós como um recém-nascido indefeso. E não faz questão de voltar tão cedo. Permanece lá, em uma prateleira qualquer, trancada a sete chaves, desmaiada ou adormecida. Quiçá até mesmo morta, enterrada, em estado de putrefação. A nós, resta aquela esperança de que, um dia, a felicidade decida deixar sua morada intocável e venha agraciar-nos e elevar nossos espíritos mais uma vez mais.
Mas não volta. Ou, quando volta, volta diferente. Tão diferente que mal a reconhecemos. E quando finalmente deixamos a melancolia de outrora para viver de novo a felicidade, já estamos atrasados e não há mais tempo: ela já está partindo. Seu trem já chegou. Chegamos a tempo de vê-la acenar para nós, com seu sorriso encantador e seu semblante resplandecendo calmaria, e adentrar o trem.
Foi-se.
Volta. Por favor, volta.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Sem título


O sangue borbulhando em minhas veias
O ar que relutava ao entrar em meus pulmões
As mãos de meus entes queridos nas minhas
Trêmulas, sem força
Frias, pálidas

A dor
A dor sem fim
Com a qual lutava arduamente
A dor que agora me possuía por inteiro
Que tomava para si minha existência

As lágrimas que corriam pelo meu rosto
Em uma tentativa desesperada
De levar embora com elas
Toda a angústia
Toda a tortura

A vida por um fio
Um piscar de olhos
Um batimento cardíaco
E tudo se foi.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Noites solitárias em Istambul


                Em meio à beleza e ao espanto, perdi-me nas ruas de Istambul. Aquela Istambul, que elevou meu espírito e libertou minha alma. Senti a chuva fina levemente umedecer meu corpo vazio e levar-me para qualquer lugar. O refresco momentâneo e passageiro da água confundia-se com o calor que irradiava de minha pele devido aos dias quentes do Mediterrâneo. Distraidamente lia um letreiro ou outro, ouvia uma música qualquer. Aquela cidade, que outrora me fascinava e cativava em seus mais minuciosos detalhes, agora assumia o caráter de qualquer outra metrópole cinzenta e banal. Eu já não estava mais ali –na verdade, nem sabia onde estava.
                Repentinas eram todas as mudanças de Istambul. Na verdade, não sei se foi Istambul que mudou, ou fui eu quem mudou Istambul. A cada piscar de olhos, a cada soar das cordas de um músico de rua, a cada gota d’água, uma mudança. A cada sorriso, a cada olhar, a cada palavra indecifrável, um momento. Efêmero.
                Não sei o que fiz em seguida, mas isso pouco importa. O vento frio do inverno açoitava-me os braços e carregava-me inconsciente para qualquer sarjeta mais próxima, onde pudesse descansar meu corpo débil. O verão tinha se dissolvido em meio à atmosfera que a cidade assumira repentinamente.
                Porém minha alma lá permanece, esquecida em alguma esquina de Istambul, entre os jardins floridos da primavera e os galhos secos do outono. Paradoxal, simples assim. Paradoxal como corpo e alma. Paradoxal como Istambul.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Descrição. Só que não.


Não sei por onde começar... Talvez eu devesse me apresentar e depois apresentar o blog. Mas é um tanto quanto complicado e contraditório autodescrever-me enquanto eu nem sei quem sou. Difícil descrever o intuito deste blog se, na verdade, ele não possui um. Bem. Vamos tentar começar pelo segundo tópico.
Fiz este blog para botar para fora tudo o que eu sinto. Já faz algum tempo (mais precisamente, quatro anos) que todas as minhas angústias e crises existenciais são jogadas pra fora através da escrita, seja ela em prosa ou poesia. Mas nunca senti vontade de compartilhar o que acabava resultando desse processo. Pois bem, as coisas mudaram: muita gente pedia para ler, eu mostrava. E meus amigos próximos acabaram conhecndo grande parte do meu acervo sentimental. Dessa forma, já que a privacidade foi parcialmente perdida, decidi perdê-la de vez e compartilhar com o mundo todo através deste blog.
Como já disse anteriormente, o principal objetivo da minha escrita não é utilizar palavraas bonitas, recursos linguísticos ou métricas inovadoras. E muito menos agradar alguém, que isso fique bem claro. Meu intuito é jogar para fora minha angústia, felicidade, melancolia, saudade, ou qualquer outra coisa que eu venha a sentir. Se agradar, muito que bem. Se não agradar, muito que bem também.
Se sentir necessidade, vou compartilhar aqui também frases, músicas ou imagens relevantes que me causaram algum tipo de impacto. Então não se assustem ao se deparar com alguma citação de Nietzsche por aqui: não estou plagiando ninguém. E não me comprometerei a escrever apenas em português. Tenho coisas escritas também em inglês, espanhol e até mesmo turco.
Certo, acho que cumpri um dos tópicos. Vamos para o que deveria ter sido o primeiro, mas não foi. O que deveria ser mais fácil, mas não é. Talvez seja melhor deixar isso para depois, ou talvez o próprio leitor venha a descobrir quem eu sou através dos meus textos.
Deixo aqui meu Twitter e meu Tumblr, caso queriam entrar em contato ou tentar desmascarar um pouco mais da minha vã existência. Enfim.
Adeus por ora.