sexta-feira, 27 de julho de 2012

Memórias

- Alô? – disse uma voz do outro lado da linha, em um misto de desespero e euforia.
- O-olá... –gaguejei hesitante.
Começava a passar pela minha cabeça que a ideia de ter resgatado um simples caderninho azul esquecido em um banco de praça era loucura. Responder a um anúncio de jornal que praticamente implorava por ele, então, parecia ainda mais absurdo.
- Quem fala? –respondeu a voz feminina outra vez, após algum tempo, interrompendo meus devaneios solitários.
- Escute... –comecei, ignorando completamente a pergunta- Não sei exatamente o por quê, mas possuo algo que lhe pertence.
- Meu caderninho? –ela arfou, mal permitindo que eu terminasse a frase.
- Exatamente! Se quiser resgatá-lo, venha até minha casa.
Dessa forma, informei meu endereço e marcamos um encontro. Não demorou muito para que uma garota de cabelos desgrenhados e aparência desleixada surgisse em minha porta. Não era alta nem baixa, gorda nem magra, alta nem magra, bonita nem feia. Mas havia algo peculiar em seus olhos aflitos que dançavam sem cessar pelo meu rosto e pela sala. Na verdade, a peculiaridade era-me familiar. Ela era exatamente igual a mim.

Sem mais delongas, entreguei-lhe o caderno amarrotado e rabiscado, o qual ela abraçou como se fosse um filho. Confesso que, antes disso, andei folheando as páginas da pequena brochura, porém em suas folhas surradas não havia nada mais do que rabiscos sem significado algum. Ora formavam figuras geométricas tortas, ora estavam apenas soltos nas folhas, e de inteligível possuíam apenas o nome de variadas cidades escritas em colorido.

Minha curiosidade falou mais alto e perguntei à garota o significado dos rabiscos.
- Não os chame de rabiscos! São memórias. –notando o grande ponto de interrogação em minhas feições, ela continuou- Cada rabisco desses contém memórias fragmentadas das cidades pelas quais passo. Viajo freneticamente há dois anos, buscando um lugar para mim neste mundo. Não me permito mais de uma semana em cada local, e por isso, necessitava de minhas memórias de volta com urgência. Preciso partir!
- Mas então por que não utiliza palavras? Ou gravuras, fotografias... –sugeri.
- Palavras podem ser lidas por qualquer um. E deixariam de ser minhas! Imagine só, que desastre! Se utilizasse palavras, você teria lido mais textos e roubado-os de mim. Que desastre! O mesmo vale para desenhos.
Um mês se passou desde o ocorrido, e a garota já deve ter visitado mais quatro cidades. Hoje, entendo o motivo daquele anúncio desesperado em um jornal, buscado urgentemente um caderno qualquer. Buscando por lembranças. Memórias. Pessoais, únicas, exclusivas. Diferentes como a personalidade excêntrica daquela garota –e a minha própria.

domingo, 8 de julho de 2012

Devaneios sobre felicidade e afins.


A felicidade é efêmera.
Simples assim. Felicidade é o mais efêmero de todos os sentimentos humanos (se é que chega a ser um sentimento, e não só um estado de espírito...). Chega, sorrateira, tomando conta de toda a nossa alma deixando-nos eufóricos, quase inconscientes. Abraça-nos por trás, tampa nossos olhos e pede-nos que adivinhemos quem é ela. A misteriosa, a novata, a visitante! E não sabemos ao certo de onde vem essa nova onda de euforia. Nem nos importamos em saber: queremos mais é curti-la ao máximo, viver cada momento com ela, como uma amante. Faz-nos pensar que a teremos para sempre em nossos braços, deixando o mundo a nossa volta mais atraente, as pessoas mais interessantes, nossos passos mais leves.
E depois é arrancada de nós como um recém-nascido indefeso. E não faz questão de voltar tão cedo. Permanece lá, em uma prateleira qualquer, trancada a sete chaves, desmaiada ou adormecida. Quiçá até mesmo morta, enterrada, em estado de putrefação. A nós, resta aquela esperança de que, um dia, a felicidade decida deixar sua morada intocável e venha agraciar-nos e elevar nossos espíritos mais uma vez mais.
Mas não volta. Ou, quando volta, volta diferente. Tão diferente que mal a reconhecemos. E quando finalmente deixamos a melancolia de outrora para viver de novo a felicidade, já estamos atrasados e não há mais tempo: ela já está partindo. Seu trem já chegou. Chegamos a tempo de vê-la acenar para nós, com seu sorriso encantador e seu semblante resplandecendo calmaria, e adentrar o trem.
Foi-se.
Volta. Por favor, volta.