- Alô? – disse uma voz do outro lado da linha, em um misto de desespero e euforia.
- O-olá... –gaguejei hesitante.
Começava a passar pela minha cabeça que a ideia de ter resgatado um simples caderninho azul esquecido em um banco de praça era loucura. Responder a um anúncio de jornal que praticamente implorava por ele, então, parecia ainda mais absurdo.
- Quem fala? –respondeu a voz feminina outra vez, após algum tempo, interrompendo meus devaneios solitários.
- Escute... –comecei, ignorando completamente a pergunta- Não sei exatamente o por quê, mas possuo algo que lhe pertence.
- Meu caderninho? –ela arfou, mal permitindo que eu terminasse a frase.
- Exatamente! Se quiser resgatá-lo, venha até minha casa.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTe-tK64FQpauyhPX9fm5mm9jq7T8YbG04J19m2ipI-7gi3EV2dzrhzr01qBeexOLQpgBxlL61d-S6Yc3kad0EUQb2NNUkpXkOfcurWDQiflBLuqs2nEbKKiSrnif4DcLz0WzVV8m7lj0/s320/Writing-writing-27456811-1277-955.jpg)
Sem mais delongas, entreguei-lhe o caderno amarrotado e rabiscado, o qual ela abraçou como se fosse um filho. Confesso que, antes disso, andei folheando as páginas da pequena brochura, porém em suas folhas surradas não havia nada mais do que rabiscos sem significado algum. Ora formavam figuras geométricas tortas, ora estavam apenas soltos nas folhas, e de inteligível possuíam apenas o nome de variadas cidades escritas em colorido.
Minha curiosidade falou mais alto e perguntei à garota o significado dos rabiscos.
- Não os chame de rabiscos! São memórias. –notando o grande ponto de interrogação em minhas feições, ela continuou- Cada rabisco desses contém memórias fragmentadas das cidades pelas quais passo. Viajo freneticamente há dois anos, buscando um lugar para mim neste mundo. Não me permito mais de uma semana em cada local, e por isso, necessitava de minhas memórias de volta com urgência. Preciso partir!
- Mas então por que não utiliza palavras? Ou gravuras, fotografias... –sugeri.
- Palavras podem ser lidas por qualquer um. E deixariam de ser minhas! Imagine só, que desastre! Se utilizasse palavras, você teria lido mais textos e roubado-os de mim. Que desastre! O mesmo vale para desenhos.
Um mês se passou desde o ocorrido, e a garota já deve ter visitado mais quatro cidades. Hoje, entendo o motivo daquele anúncio desesperado em um jornal, buscado urgentemente um caderno qualquer. Buscando por lembranças. Memórias. Pessoais, únicas, exclusivas. Diferentes como a personalidade excêntrica daquela garota –e a minha própria.
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