terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Ativista

Perguntavam por que ele passava tanto tempo na rua. Mais especificamente, no centro da cidade, panfletando em algum canto ou divulgando alguma causa popular. Era tachado de líder de guerrilha, maoísta, revolucionário, “ativistinha vagabundo”. Mas sinceramente, ele não ligava. Gostava, até. Vangloriava-se da fama de esquerdista excluído do sistema, apesar de não simpatizar com Marx ou Bakunin e nem mesmo acreditar em uma mudança de sistema.
Em mãos, apenas o velho megafone companheiro de marchas e a mochila surrada nas costas. Dessa, ele não largava nunca. Mesmo que fosse para carregar apenas uma simples agenda de capa preta, outra fiel escudeira. E essa era apenas uma das inúmeras manias que ele tinha, capazes de irritar qualquer um eu convivesse com ele.
            Sua voz era sua única arma. Nada de metralhadoras e fuzis nas mãos de guerrilheiros loucos e inconsequentes, como seria possível imaginar. Na verdade, era exatamente isso que as pessoas pensavam quando o ouviam falar da revolução e da luta popular. Mal sabiam elas que ele fazia revolução com um megafone e uma oratória fora do comum.
            Seu grande diferencial era acreditar no movimento. “As coisas estão mudando, as pessoas estão acordando”, jurava para mim, em uma quase súplica. Contentava-se com a presença de cinco, seis pessoas em debates promovidos por ele para discutir temas como a corrupção ou o novo Código Florestal. Eu sempre presente, como sua fiel escudeira. Afinal, todo Dom Quixote precisa de seu Sancho Pança.
            Tinha uma folha especial na pasta de indulgentes no escritório da Polícia Federal, resultado de algumas madrugadas em claro colando cartazes pela cidade, além de alguns bate-papos com políticos não tão moderados assim. Costumava dizer que se vivesse em tempos de ditadura, com certeza já estaria morto ou preso. Em tempos modernos, no entanto, conseguia manter uma relação estável com os policiais. Um cartaz ali, outro megafone depois das dez ali... nada que fosse manchar sua foto 3x4 de sangue.
            E quando ele pretendia arranjar um trabalho? Quando ingressaria em uma faculdade? Quando deixaria os movimentos sociais para buscar um projeto de vida mais sólido? “Enquanto respirar, vou lutar”, repetia. “Enquanto houver injustiça, não sairei das ruas”. E era assim, defendendo a liberdade dos fracos e oprimidos, que ele defendia sua própria liberdade. Era no coletivo revolucionário que ele encontrava seu eu. Ele era o movimento, e o movimento não existiria sem ele.

NOTA: O personagem deste texto é, na verdade, composto por múltiplos outros personagens. Muitas pessoas no Movimento são verdadeiras inspirações para mim, e fico feliz de conhecê-las e fazer parte do cotidiano delas. As frases, as situações e até mesmo os chavões da narrativa são reais, e estão contidas no interior de cada um dos ativistas que eu conheci na minha jornada pelas ruas com iniciativas populares. Cada uma delas é o Movimento, e sem a ajuda de cada um dos indivíduos maravilhosos que inspiraram essa história, ele não existiria. 

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